Consulta Psicoespiritual (Taroterápico)

quinta-feira, 19 de março de 2009

agradar uma fêmea é como pegar um sapo na mão


Sônia fazia de conta que não estava casada com Vera, vivia atrás de qualquer balada, até bingo beneficente ou quermesse de paróquia serviam; em tais e tantas orgias andava, que a vizinhança até já tinha cansado de falar mal. De começo, ainda vá que respeitou dia de semana, depois a coisa desandou, o sábado começava na quinta e findava na terça; daí pra frente, tudo virou feriado e os dias da semana já não bastaram pra tantos convites. Sônia causava. Vestida de longo, exagerando no lamê e no strass, ela reinava nos bailes do Andrade, deslumbrava nas matinês da Sociedade Operária, arrasava na festa do Havaí do clube Água Verde e, das domingueiras do Tiradentes, só voltava segunda de manhã, maquiagem desfeita, meias-calça rotas, sapato de salto quatorze na mão. Vera ainda lhe fazia um café forte antes de sair para o serviço.

Vera sempre fumando, somítica de tão magrinha. Ralava horrores na hora extra para pagar faturas de cartão, sua vida era uma consumição: levantar papagaios, cobrir empréstimos, discutir com gerente de banco pra aumentar o limite do especial, parcelar dívidas; vivia numa dobadoura atrás de agiotas e factorings, tudo em nome de manter o padrão de vida da casa. Como era assessora de deputado estadual, trabalhava de verdade enquanto o “doutor” bonecão deputava ― em todos os sentidos. Eram dois celulares e um nextel tocando o dia todo, com requisições deste, pedido de emprego praquele, associações disto e daquilo buzinando no ouvido dela. Seu único luxo era o cigarro ― dois maços de Carlton prateado por dia. Além disso, fazia bicos de repórter freelance pra uma revista de aviação e pegava uns trocados testando remédios novos para uma indústria farmacêutica. Sônia embirrava com este “trampo de cobaia”, como costumava dizer.

Aline, sobrinha de Vera, morava com elas na casa de dois cômodos, própria, único bem de família que o pai cachaceiro de Sônia não conseguiu beber. A moça era autista, a mãe não a quis levar para Camocim quando se casou pela segunda vez; a avó era falecida e sobrou pra Vera criar a menina, que dava trabalheira por dez. Quem cuidava mesmo era Sônia, já que Vera saía pra trabalhar e também não tinha muita paciência pra essas coisas. Aline não falava, não comia sozinha, não se vestia sem ajuda, se pelava de medo de ir em médico e dentista só lhe mexia na boca com ela debaixo de anestesia geral. Até as necessidades Sônia tinha de lhe ajudar a limpar. Seu único vício era comer os fósforos queimados que Vera espalhava pelos cinzeiros da casa. Problemas havia, mas eram uma família.

Até que P. chegou.